terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

A regra de ouro de comunidades: você vale o que contribui!

 Meu artigo anterior sobre Developer Relations acabou fazendo com que muita gente me procurasse nos últimos dias para saber mais sobre o que é de fato a profissão e como começar, por isso resolvi escrever esse aqui.

Antes de entrar no que é o trabalho com DevRel, vale a pena olhar para o pilar central de sustentação dele, que são as comunidades.


O título deste artigo é uma provocação, porque de fato eu não tenho tanta certeza que existe uma regra de ouro em comunidades, mas sei que seu valor nelas é diretamente proporcional ao que você contribui. Simples assim.


Não importa o assunto ou o tema, a comunidade sempre existe. Ela pode ser formal, com site, lista de discussão, grupo em ferramentas de comunicação ou redes sociais, ou informal e caótica, mas ela sempre existe, e nem sempre ela é de apoiadores.


Entender onde a comunidade está, sua dinâmica e principalmente as suas regras implícitas é a parte mais difícil, e essa só se aprende fazendo (e muitas vezes errando). Um exemplo disso é que existem comunidades completamente avessas a empresas, e comunidades completamente focadas em empresas.


Comunidades e pessoas estão em geral interessadas em mais do que conteúdo e conhecimento técnico. Estão de fato interessadas em experiências, principalmente se essas compartilharem aprendizados importantes sobre a aplicação real da técnica. Este é para mim o compartilhamento que faz a diferença.


Isso não significa que alguém que está aprendendo uma tecnologia nova não tenha nada interessante para compartilhar. Vejo muita gente errando nisso, tentando falar sobre assuntos técnicos complexos sem profundidade no assunto, e já vi gente passar vergonha feio com isso online e em eventos presenciais. Não importa onde você esteja, tenha certeza de que alguém por perto conhece mais daquele assunto do que você (isso vale demais para eventos presenciais), portanto empatia e humildade na hora de apresentar ou compartilhar seu conteúdo são fundamentais.


Por isso mesmo que o compartilhamento de experiências é fundamental. Se eu começo a estudar um assunto técnico hoje e não tenho profundidade para falar sobre ele, eu provavelmente posso compartilhar a minha experiência de aprendizado, e portanto ajudar pessoas a seguirem a mesma trilha que eu estou seguindo para aprender. Pessoas que já passaram por ela, podem me dar dicas importantes que vão me poupar um baita tempo e gente que está trilhando um caminho parecido pode se juntar a mim nessa caminhada e aprendermos juntos (perceba que aqui quando eu chegar no meu destino, já tenho uma comunidade ou já faço parte de uma).


Se eu já conheço bem sobre um tema, já posso falar com mais segurança sobre ele, mas ainda assim, o que vai criar uma conexão de verdade com as pessoas não são os meus conhecimentos técnicos puros, mas as minhas experiências de aplicação deles, e a parte mais legal, quando eu conto as minhas experiências eu estimulo as pessoas a contar as delas, e com isso todos aprendemos rápido, principalmente com os erros e lições que eles nos trouxeram. Essa é a mágica de comunidades para mim, e não importa se estamos falando de tecnologia, culinária, música, bricolagem ou qualquer outro assunto.


Aí vem a dúvida: como ganho dinheiro com isso? Como transformo isso em uma profissão?


Em tempos de pandemia, com uma câmera e um microfone na mão e inspirado pelos YouTubers e influenciadores digitais de plantão, muita gente acredita que quanto mais conteúdo for criado e compartilhado melhor, mas isso é um erro enorme. Você pode até acertar fazendo isso, mas vai ser na base da tentativa e erro (ou método empírico, como um amigo muito experiente em tudo isso gosta de falar).


Conteúdo útil é aquele que responde a alguma necessidade de outras pessoas, e não aquele que você "acha" que vão gostar, e não precisa de bola de cristal para saber que conteúdo é esse, basta observar o que a comunidade que você gostaria de participar está falando e o que estão procurando. Imaginar que você vai gerar uma comunidade toda em torno de você, simplesmente exalando sua sabedoria e simpatia é no mínimo inocente demais, pra não falar presunçoso, mas infelizmente vejo muita gente (e pior, empresas) insistindo nesse modelo.


Ganhar dinheiro com essas atividades leva tempo, e não existe receita de bolo pra isso. Quanto mais você compartilhar, mais portas serão abertas por você em outras comunidades, mais experiências você vai trocar e isso vai trazer mais oportunidades de ter novas experiências. Isso vai fazer de você um profissional.


No meu caso específico, foram 10 anos simplesmente contribuindo e compartilhando em comunidades até que eu recebesse meu primeiro salário por isso. Não, nunca cobrei por palestras na vida, sempre fui muito seletivo com os eventos que participei e no máximo aceitava que a organização dos eventos - quando patrocinados - pagassem minhas despesas de viagem. Sim, me ofereceram diversas vezes pagamento por palestras, mas nunca aceitei. Sempre fiz questão de escolher onde vou compartilhar o meu conteúdo, e isso vale para eventos, revistas, livros, sites, blogs, programas de TV e muitas outras coisas que fiz nos últimos quase 20 anos.


A diferença entre fazer isso "por amor" e "por dinheiro" é que por dinheiro você muitas vezes vai precisar fazer o que não quer tanto assim, mas vai precisar aprender a gostar daquilo, ou simplesmente desistir da profissão. Foi assim que eu trabalhei com diversas tecnologias e comunidades nos últimos anos. No início escolhendo o que ia falar, com quem ia falar e como ia falar (e claro, me comportando do jeito que achava pertinente), e depois quando alguém pagava o meu salário, me dava as regras do jogo: o assunto, o público alvo, o resultado esperado e principalmente - as regras sobre comportamento… sim, essa última é a parte mais difícil. Ser um profissional em Developer Relations é "ceder" sua credibilidade a uma empresa e não o contrário. Este acordo precisa ter um propósito claro que atenda as duas partes. Muitas vezes a empresa vai te abrir portas menos acessíveis e isso pode aumentar a sua visibilidade (e responsabilidade).


Não estou de forma alguma dizendo aqui sobre a ética de se cobrar ou não por palestras nem ditando regra, mas fica aqui o meu alerta para quem está entrando nesse mundo acreditando que vai ganhar muito dinheiro em pouco tempo: as coisas não são tão simples assim. Você sempre vai trocar dinheiro pela sua liberdade de expressão e muito cuidado, porque muitas vezes vão querer te pagar para falar para pegar emprestada a sua credibilidade e fazerem sei lá o que com ela. Só se perde a credibilidade uma vez.


Uma última dica importante: se você já está trabalhando com DevRel e ainda está no começo da sua carreira na área, volte no começo desse texto e leia tudo de novo. Você está tendo a oportunidade que eu e muita gente boa que conheci e acabou desistindo não teve - receber seu salário enquanto aprende a fazer tudo isso sob orientação de quem aprendeu do jeito difícil. 


É uma jornada por "ser" e não simplesmente "estar". Quem compra a sua reputação provavelmente vai ter que pagar por ela a vida toda, e pra dar um exemplo que denuncia a idade, onde estão mesmo as boy bands brasileiras dos anos 90?


Como sempre, estou à disposição para quem quiser conversar mais sobre o assunto e claro, trocar suas experiências.